terça-feira, 18 de setembro de 2007

O Amor

O amor no mundo contemporâneo

Na sociedade contemporânea fala-se e escreve-se muito sobre sexo e quase nada sobre amor. Talvez seja pelo fato de que o amor, sendo um enigma, não se deixa decifrar, repelindo toda tentativa de classificação ou definição. Por isso, a poesia, campo mítico por excelência, encontra na metáfora a compreensão melhor do amor. Realmente, a literatura nunca deixou de falar do amor. Talvez esse vazio conceitual se deva à dificuldade de expressão do amor no mundo contemporâneo. O desenvolvimento dos centros urbanos criou o fenômeno da “multidão solitária”: as pessoas estão lado a lado, mas suas relações são de contigüidade, relações que dificilmente se aprofundam, sendo raro o encontro verdadeiro. Talvez o falar muito sobre sexo seja uma tentativa de camuflar a impessoalidade fundamental dessas relações, na medida em que o contato físico simula o encontro.

O encontro: a intersubjetividade

A força dessa energia (Eros, amor, desejo...) que nos impulsiona a agir, a procurar o prazer e a alegria, nos faz questionar o principio cartesiano de que o homem é um “ser pensante”. Não seria ele sobretudo um “ser desejante”? Não seria o desejo aquilo que mobiliza o homem, e a razão princípio organizador que hierarquiza os desejos e procura os meios para a realização? Nesse sentido, não estou querendo inverter o tema clássico da superioridade da razão sobre a paixão, mas mostrar que esses dois princípios estão indissoluvelmente ligados. O que visa o desejo? Numa célebre frase, Hegel diz: “Amar é entender o seu corpo em direção a um outro corpo; mas é também, mais fundamentalmente, exigir que esse corpo, que ele deseja também se estenda; é desejar o desejo do outro”. Isso significa que o desejo supõe em relação e que o que se deseja sobretudo e o reconhecimento do outro. O amante não deseja se apropriar de uma coisa; ele deseja capturar a consciência do outro.

Os paradoxos do amor

Vinculo x liberdade

O amor, sendo o desejo de união com o outro, estabelece, no entanto um tipo de vínculo paradoxal: o amante deve cativar para se amado livremente. Creio que o fascínio é gerador de poder: o poder de atração de um sobre o outro. No entanto, tal “cativeiro” não pode ser entendido como ausência de liberdade, pois a união deve ser a condição da expressão cada vez mais enriquecida da nossa sensibilidade e da nossa personalidade. É fácil observar isso na relação entre duas pessoas apaixonadas: a presença de outro é solicitada na sua espontaneidade, pois são dos dois que escolhem livremente estar juntos.

O amor imaturo, ao contrário, é exclusivista, progressivo, egoísta, dominador. Mas não fácil determinar quando o poder gerado pelo amor ultrapassa os limites. Em que momento isso se transforma em desejo de controlar, de manipular?
A sociedade capitalista, centrada no valor do “ter”, desenvolve formas possessivas de relação. O ciúme exacerbado é o desejo de domínio integral do outro. Marcel, personagem de Proust, inquieta-se, varado de ciúme até dos pensamentos de sua amada Albertine. Só descansa quando a contempla adormecida...
Não querendo dizer que o ciúme não deva existir. Etimologicamente, ciúme significa “zelo”: o amor implica cuidado e temor de perder o amado. Portanto, se não desejamos o rompimento da trama tecida na relação recíproca e se outro dá densidade à nossa emoção e enriquece nossa existência, sofremos até com a idéia da perda.

Vinculo x alteridade

Há outro paradoxo no amor: ele deve ser uma união, com a condição de cada um preservar a própria integridade. Faz com que dois seres estejam unidos e, contudo, permaneçam separados.
O amor e o convite para sair de sim mesmo. Se a pessoa estiver muito centrada nela mesma, não será capaz de ouvir o apelo do outro. É isso que ocorre com a criança, que naturalmente procura quem melhor preencha suas necessidades. Quanto esse procedimento continua na vida adulta, torna-se impedido do encontro verdadeiro. Basta lembrar a lenda de Narciso, que, ao contemplar seu rosto refletido na água, apaixona-se por si próprio. Isso causa sua morte, pois esquece de se alimentar, tão envolvido se acha com a própria imagem inatingível. O narcisista “morre” na medida em que torna impossível a ligação fecunda com o outro. O exercício do amor supõe a descoberta do outro. Por isso o amor envolve o respeito, não no sentindo moralista que rotineiramente se dá a esse conceito, não como temor resultante da autoridade imposta. Respicere, em latim, significa “olhar para”, ou seja, o respeito é a capacidade de ver uma pessoa como tal, reconhecendo sua individualidade singular. Isso supõe a preocupação de que a outra pessoa cresça e se desenvolva como ela é, e não como queiramos que ela seja. O amor supõe a liberdade, e não a exploração: o outro não é alguém de quem nos servimos. O amor maduro é livre e generoso, fundando-se na reciprocidade. Uma lenda grega conta que assaltante chamado Procusto aprisionava os viajantes e os adaptava a uma cama de ferro: se eram pequenos, os alongava: se eram grandes, os mutilava terrivelmente para que diminuíssem de tamanho. Quantos tiranos Procustos encontramos nos mais “ternos” namorados, ansiosos por adaptar o parceiro à sua própria medida!
O paradoxo da relação amorosa, colocada ao mesmo tempo como desejo de união e preservação da alteridade, dimensiona a ambigüidade em que o homem e lançado. Os sentimentos gerados também são ambíguos: são sentimentos de amor e ódio para com aquele que escolhemos conscientemente, mas de cuja escolha resultou o abandono de outras possibilidades... O não saber viver nessa ambigüidade leva certas pessoas a procurar a “fusão” com o outro, do que decorre a perda da individualidade, ou a recusar o envolvimento por temer a perda.

Separação

No entanto, o risco do amor e a separação. Mergulhar numa relação amorosa supõe a possibilidade da perda. Segundo o psicanalista austríaco Igor Caruso, a separação é a vivência da morte do outro em minha consciência e a vivência de minha morte na consciência do outro.
Quando ocorre a perda, a pessoa precisa de um tempo para se reestruturar, pois, mesmo quando mantém sua individualidade, o tecido do seu ser passa inevitavelmente pelo outro. Há um período de “luto” a ser superado após a separação, quando, então, se busca novo equilíbrio.
Uma característica dos indivíduos maduros é saber integrar a possibilidade da morte no cotidiano da sua vida. E, quando falamos em morte, nos referimos não só ao sentido literal, mas às diversas “mortes” ou perdas que permeiam nossas vidas. No entanto, na sociedade massificadas, onde o eu não é suficiente forte, as pessoas preferem não viver, para não ter de viver com a morte. Por isso, também as relações tendem a se tornar superficiais, e nesse sentido que o pensador francês Edgar Morin afirma: “Nas sociedades burocratizadas e aburguesadas, é adulto quem se conforma em viver menos para não ter que morrer tanto. Porém, o segredo da juventude e este: vida quer dizer arriscar-se à morte; a fúria de viver quer dizer viver a dificuldade”.

Um comentário:

mari disse...

Parabéns Urso..
a teoria da vida eh sempre muito interessante!!!
bj